Acabo de ler um livro para logo começar outro,
o que não faz sentido num país que não lê, mas ler para logo começar outro é
como ler apenas um enorme livro, é não ler. Na verdade parece-me que não leio,
pelo menos livros, leio apenas. É como escrever, escreve-se treinando a mão a
ser o cérebro, sem ter o corpo pelo meio ou a consciência de que se escreve, é ligação
directa como roubar um carro, é um assalto ao pensamento sem consciência de
roubar ou ser roubado. É como o amor, o liquido, para quê ter trabalho, se tudo
pode ser conseguido sem trabalho, o sexo, o carinho, a cama, o corpo, e o amor?
O amor talvez seja como ler livros sem parar de ler, parece-me não um sacrifício,
ler, mas isso deve ser pelo treino, escrever com a mão é muito mais complicado,
implica treino. É como o amor, implica treino e insistir, ler não, implica
apenas respirar, e o amor é isso é apenas respirar, depois de muito ler, é um
acto contínuo sem principio, meio ou fim, é a biblioteca impossível de Borges.
E a minha tia passou com dois cães ridículos segurando a trela, que parecia de
cavalo, e portanto não um trela mas estribos, e uns sapatos de leopardo. Mas
a minha tia não usa sapatados de leopardo, ou de tigre ou de qualquer outro
grande felino, o que ainda nos dá a hipótese de usar sapatos de gato, mas assim
seria ou assaltante ou escalador, que me parece que com este sol seria
impossível, que embora arda como o fogo do inferno está um vento que o apaga. O
vento apaga o sol e o meu tio não era o meu tio, que o meu tio não tem uma
tonsura de bispo e uns óculos de cardeal, na verdade nem usa óculos. Mas o
cabelo é o da minha tia, talvez a senhora o tenha roubado à minha tia. É
preciso ver se a minha tia está careca, só para saber se o sol está quente ou
se o vento está frio. É como o amor, quente e frio, mais quente ou mais frio
dependendo de quanto se lê um novelo, ou será novela, sem fim. Um autêntico
mantra de carícias exigentes e com todo o sentido, afinal de contas liquido era
o amor, se não se lesse sempre o mesmo livro.
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