quarta-feira, 19 de agosto de 2015

Upon your shore

Querer tinha pouco a haver com a situação, talvez por isso se tivesse afastado do dia-a-dia, era algo que lhe corria nas veias e lhe inundava a mente em todas as situações. Tinha tentado os tratamentos do costume, mais ou menos assistidos, sem grande sucesso. A espaços conseguia uns dias sem que o corpo se contorcesse, olhava para baixo e pensava que já tinha recuperado o seu estado prévio e era aí que percebia que nada tinha passado e tudo voltava. À mesa de refeições ficava de repente sem apetite, que já não era muito, pelo que estava a ser servido, quando se ia deitar enfrentava a insónia e acordava nessa insónia de manhã, demasiado cedo sem a noção de onde acordava, mas onde o caso era mais grave era nas longas horas do dia. De noite, sempre conseguia desaparecer por umas horas e mais das vezes não se lembrava do que sonhava, agora de dia não havia fuga possível. Nas lentas horas das tardes era uma realidade que queimava a pele, que se consumia em cigarros e água na tentativa de limpar o organismo. Olhava e procurava, refazia mentalmente o processo vezes sem contas, eram golas vermelhas e alças pretas, quadros que faziam lembrar pollock, tudo coberto com cortinas de fumo. Levantava-se e sentava-se constantemente, pequenos passos para a frente e para trás, os olhos perdidos noutros mundos, noutras geografias, as imagens a cruzar-lhe a mente sem sentido, desde toxinas de cobras para curar estrabismo a sapatos com flores no calcanhar, métodos de monte carlo e rendas. Procurava distrair-se com actividades manuais, acalmar, procurar no craftster algo onde se fixar, um paliativo de pouco impacto. Não, não tinha nada a haver com querer, era uma impressão de pele.

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