terça-feira, 30 de dezembro de 2014

As he bummed his cigarette



ouve-me
que o dia te seja limpo e
a cada esquina de luz possas recolher 
alimento suficiente para a tua morte
vai até onde ninguém te possa falar
ou reconhecer – vai por esse campo 
de crateras extintas – vai por essa porta 
de água tão vasta quanto a noite
deixa a árvore das cassiopeias cobrir-te
e as loucas aveias que o ácido enferrujou
erguerem-se na vertigem do voo – deixa
que o outono traga os pássaros e as abelhas
para pernoitarem na doçura
do teu breve coração – ouve-me
que o dia te seja limpo
e para lá da pele constrói o arco de sal
a morada eterna – o mar por onde fugirá
o etéreo visitante desta noite
não esqueças o navio carregado de lumes
de desejos em poeira – não esqueças o ouro
o marfim – os sessenta comprimidos letais
ao pequeno-almoço
in Horto de incêndio, Lisboa: Assírio & Alvim, 1997

terça-feira, 16 de dezembro de 2014

Begin, murderer. Pox, leave thy damnable faces, and begin! Come, the croaking raven doth bellow for revenge.

No dia 17 de Novembro senti sangue na garganta. Há quatro anos Novembro foi, particularmente, frio, talvez por isso o sangue, e eu estava no inicio deste caminho que acabei por seguir, sem saber. Saía cada vez menos, comprar cigarros, tomar café, ler o jornal, ir às compras, mais ao menos por ordem de frequência, sendo que cigarros e café eram muitas vezes frequências acumuladas, assim como com o jornal, sendo que com as compras a maior correlação eram os cigarros, embora não raras vezes também tomasse café. Desse tempo recordo que ainda resolvi uns problemas em balcões de lojas e dos correios, na sua maioria problemas com contas ou artigos defeituosos, uma torradeira que começou a deitar fumo passado duas semanas, e às terceiras torradas que lhe punha, de a ter comprado ou uns problemas com o débito automática no banco das contas do telefone e luz. Por essa altura, comecei a comprar de forma mais organizada, talvez mais automática seja melhor definição, pois de organizado nunca tive nada, sem fugir muito do cabaz de semana para semana. Em retrospectiva diria que estava a afinar uma receita de sobrevivência, com cálculos elaborados, embora inconscientes, de duração dos produtos e combinações dois a dois e três a três, que foi ao que acabei por reduzir a minha perícia na cozinha. No inverso dessa disciplina estavam as compras de vinho, gin e whisky, aí foi o consumo que teve que começar a ser mais disciplinado, mas isso já numa fase posterior e com pouco de inconsciente, fruto de restrições exógenas. A verdade é que me assustei com o sabor a ferro na boca, ainda pensei que seria um dente mas depois de passar a língua pela fileira dos ditos não consegui localizar a fonte o que me levou, com a prática de catarro de fumador, a fazer uma convulsão, para que os fluídos na garganta regressassem à boca, com o ferro a inundar a boca como se tivesse acabado de levar um murro nos dentes. Cuspi para o lavatório e a minha saliva apresentava-se de um escuro sanguinolento. Passei a boca por água, voltei a cuspir e o lavatório devolvia-me um lago rosa com fios mais escuros. Olhei-me ao espelho e voltei a repetir o processo, o sabor a ferro, quase terroso, era já menos intenso; cuspi e nada do que se tinha passado se voltava a repetir, apenas uns farrapos escarlates que nem tingiam a água, de forma considerável, passei a boca por água, bocejei, deixei sair o líquido
- isso ainda te mata
e dei o processo por satisfeito, olhando o espelho a esperar que me respondesse se me deveria preocupar e ir ao médico ou se era apenas mais um sinal de uma máquina demasiado complicada para eu a compreender. Não me doía a garganta, ou pelo menos não mais do que o normal, o sangue tinha passado sem eu conseguir realmente identificar de onde é que ele vinha, assim como assim poderia ter sido de alguma coisa que eu tinha comido, ou uma veiazita que não tivesse gostado dos copos da noite anterior e tivesse resolvido alertar-me para o facto. Lavei os dentes, num reflexo de que a higiene oral faz parte de não termos razões para ir ao médico, olhei o espelho, ele continuou mudo, pensei que estas coisas aconteciam e que se voltasse a repetir talvez devesse procurar ajuda e fui para a cozinha fazer um café e acender um cigarro. Se fosse algo de grave, de certeza que, daria sinal com as agressões matutinas, não deu e portanto não voltei a pensar nisso até agora.
- essa merda vai acabar por te matar
Nesse dia, lembro-me, talvez pelo sangue, que percebi pela primeira vez que as compras que fazia davam-me precisamente para uma semana, sem ter que me maçar de novo em voltar ao supermercado. Quando cheguei a casa, com as compras, ainda, em cima da mesa da cozinha, sentei-me no parapeito da janela, com as pernas do lado de fora a olhar as pessoas que passavam na rua. Fiquei um bocado parado, sentindo o frio do alumínio nas costas, enquanto pensava o que significava saber que as compras nos davam para uma semana, que raio de vida é essa em que sabemos exactamente que as compras nos dão para sete dias, nem mais nem menos, o que também é falso, como depois se veio a provar. Sentia o frio do Inverno a aproximar-se, a senhora do telejornal tinha dito que correntes polares se aproximavam da região continental, na cara que parecia encolher de frio e na mão que perdia cada vez mais sensibilidade. Atirei o cigarro para o passeio da frente e estudei a trajectória dele a cair, um quarto de elipse, meia curva de gauss com a ajuda do vento. A queda do cigarro não perturbou ninguém que passava, tinha-lhes sido indiferente e nem barulho fez, ou pelo menos que eu notasse, pelo que considerei que era melhor levantar-me dali e ir arrumar as compras nos seus devidos sítios e não esperar por ter que lavar a loiça para fazer tudo ao mesmo tempo, visto que tinha carne e por muito que pensasse que a temperatura estava baixa, supunha que não tão baixa assim.
Olhando do dia de hoje, 27 de Fevereiro, percebo que aquele dia foi especialmente importante nestes quatros anos que se passaram, precisando quatros anos, três meses e dez dias, por terem aberto um caminho que na altura não parecia possível. O resto do mês de Novembro teve pouco de diferente dos meses que lhe precederam, cada vez saía por menos tempo, descia para tomar um café e fumava o cigarro em casa, não passando mais do que cinco minutos a folhear o jornal enquanto bebericava o expresso, o que acaba por ser das coisas que mais sinto falta hoje em dia, não o jornal ou o tempo no café, mas tomar um expresso em quatro goles faz-me uma falta desgraçada, aliás, tomar um expresso faz-me uma falta desgraçada, já pensei, até, em comprar uma máquina mas a qualidade dos cafés dessas máquinas de pastilhas é completamente diferente de um tirado com café moído pouco tempo antes, sendo que este pouco tempo poderá sempre variar um bocado, mas nunca exceder os dois dias, com a temperatura de água correcta, que só se obtém após muitos cafés tirados para pessoas a correr os tomarem em pé ao balcão e dizerem, está aqui o dinheiro, apontando com o dedo enquanto já dão meia volta para voltarem ao seu dia de trabalho que na generalidade dizem trocar facilmente por ficarem em casa sem fazer nada, e comprar uma a sério parece que me transformaria num excêntrico em vez de apenas esquisito. Comecei a comprar maços de cigarros no plural, para não ter que voltar à rua todos os dias, e a pensar que poderia encomendar comida do supermercado que eles me entregariam à porta, o que felizmente, ainda, demorou três meses a acontecer, aliás, só aconteceu após ter percebido que também podia encomendar volumes de uma tabacaria e que eles me entregavam em casa. Até ao Natal desse ano ainda fui a uns quantos jantares com amigos, tendo, depois, recusado todos os jantares, ditos, de Natal, com umas desculpas esfarrapadas de que tinha muito que fazer ou que não estava no país nessas datas. Creio que ninguém acreditou muito nas minhas escusas mal disfarçadas mas também não me chatearam particularmente, não mais do que um "anda lá", "devias vir", "gostávamos que viesses", tinham-se habituado, nos anos anteriores que eu não estivesse presente, e embora a situação fosse, diferente não fizeram caso.

quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

domingo, 7 de dezembro de 2014

And then the veins stand out like highways

cada passo fazia um baque distintivo no chão, os dela mais finos e audíveis, os dele mais secos e curtos, ambos calçavam botas com sola de madeira. Ela usava as botas por fora das calças, protegendo-as de ficar empapadas, ele, botins, que se deixavam notar enquanto o tecido escurecia e com o peso da chuva se colava ao cano da bota. Os passos, embora não medidos, eram lentos, não fugiam da, pouca, chuva que caía, fugiam deles mesmos e nessa fuga cada passo aproximava-se do chão a disparar salpicos para todos os lados. O passeio apresentava pequenos lagos, uns ligados por rios que espelhavam a chuva, deformando-se em ondas circulares, tornando negro o tapete já de si cinzento escuro. As botas aterravam no chão com uma solidez nada expectável para quem não costuma andar à chuva, ela pousava a ponta e só depois o tacão, ele calcava com o tacão e deixava cair a biqueira que se dobrava para dar origem a um novo passo. Ao principio quase não chovia, era cacimbo só, uma neblina baixa e espessa, ainda não nevoeiro, mais líquida. Tinham acabado de jantar e o silêncio fez com que ela perguntasse se não queria dar uma volta, que ainda não chovia. Ele assentiu com um "se quiseres". Vestiram casacos de algodão pesado, o dela de um rosa velho, esbatido, o dele azul marinho, quase cinzento, com um bolso embutido para os cigarros ao nível da cintura. Dez passos após terem saído começou a pingar, não falaram, não demonstraram, sequer, que tinham noção que começava a chover, continuaram simplesmente a andar como se tivessem destino, embora o destino não pudesse ser mais do que chegar ao velho forte quinhentista e voltar pelo mesmo caminho, sob pena de, se fossem por outro lado, passarem por uma rua mais iluminada e com um punhado de entes nos cafés, algo que não suportariam, a consciência de se sentirem envergonhados pela deterioração de comunicação seria demasiado impeditiva para que não tivessem que fingir à luz diáfana dos candeeiros de rua. Jantaram calmamente, beberam um garrafa de vinho e a nenhum dos dois apetecia-lhe sair. A decisão foi tomada não por vontade mas por medo da alternativa, zapping incessante entre programas noticiosos, computadores abertos, redes sociais, e-mails de trabalho e silêncio, com um ocasional cigarro e, talvez, a sorte de um copo de whisky partilhado que permitiria proferir "queres?", "obrigada", "não". Saíram para fugir ao destino da noite, substituindo o cansaço mental da incomunicabilidade pelo cansaço físico que pouco espaço daria às almofadas do sofá, ocupados que estariam em despir-se, fumar mais um cigarro em pé a ver se alguma notícia importantíssima lhes tinha escapado, o que de resto era uma estupidez pois ao mínimo sinal de relevância noticiosa o telefone de algum deles já tinha tocado, e ir para a cama, onde o silêncio não seria menor mas teria a justificação de que era necessário dormir. Avançavam para aquele destino circular e ela tentou falar, perguntou qualquer coisa sobre o dia, que ele tinha saído a meio da tarde e ela não sabia para onde. Obteve uma resposta curta e seca, sem ele se dar conta que era uma resposta como um eucalipto. Ela calou-se e arrependeu-se de ter falado, ele pensou que já não conseguiam conversar porque a ela não lhe interessava o que ele tivesse a dizer. Quanto mais avançavam mais a chuva se avolumava, voltar para trás era irrelevante, já que ficariam encharcados de qualquer maneira, mais valia continuarem com o plano. Nenhum dos dois queria ter mais um acto falhado que os devolvesse ao habitual com o peso que isso proporcionava, e, ainda mais, com o facto de este puder ser a gota que faz transbordar o copo e os enviar para mais uma discussão sem fim onde a destruição estava sempre assegurada e da qual não conseguiam sair, nem, incólumes nem com alguma espécie de decisão de ordem prática. Passaram pelo café a meio do caminho, que mais uma vez apresentava as suas cores esbranquiçadas e uma luz quase negra, onde estariam não mais do que três mesas ocupadas e não mais que sete clientes. Ele pensou em parar para tomar um café, mas sabia que ela não era favorável a cafés à noite, principalmente após já terem tomado um em casa, pelo que não lhe disse nada. Ela esteve quase para lhe dizer para tomarem um café, não que lhe apetecesse o café em si, aliás não o tomaria, pediria uma água com gás ou algo do género, mas para poder sair por uns momentos da chuva, mas como sabia que ele gostava de tomar café e não disse nada é porque não lhe apetecia parar e não queria que ele fosse ao café só para lhe fazer a vontade, como lhe parecia que tantas vezes fazia, com as consequências disso a serem mais desconfortáveis que a chuva. Do café, um casal ficou a olhar para os dois vultos que passavam com trinta centímetros de distância entre eles e a pensar porque raio alguém andaria à chuva naquela direcção, uma vez que não pareciam pescadores e nem canas carregavam.
viste? vi. Quem era? não sei, está demasiado escuro. Pescadores? com este tempo os pescadores não pescam nestas rochas. Estranho!
A mente dele desprendeu-se, entrara no café e ficara a perscrutar quem seria que estava no café, de quando em quando ia ali tomar café depois de jantar, normalmente sozinho uma vez que a ela raramente lhe apetecia sair, para a encontrar, depois, já no sofá, estendida, e sem lhe perguntar nada sobre a sua saída. Ela pensava que podiam ter entrado, que como não tinha sido ele a perguntar talvez percebesse porque é que ele saía tantas vezes para tomar café, se estaria lá alguém que pudesse ser o motivo dessas saídas.
O chão dali para diante tinha um certo declínio que lhe permitia apresentar uma superfície luzidia mas sem água acumulada. Adaptaram o passo para não escorregar, ele com mais dificuldade que ela, talvez pela maneira de pisar, e continuaram até encontrarem o lago para onde a água fugira. Ele estendeu a mão, para a ajudar, que ela não viu e o fez recolhê-la com um gesto de desalento, voltando à silhueta individual. Enquanto a mão perorava no ar ficou a pensar porque é que ela escolheu o casaco rosa, estava a chover, o verde escuro ficava por certo melhor. Não percebia essa escolha, como tantas outras, não se usa calças brancas no inverno, por certo também não se usaria casacos rosa claro quando o céu se apresenta fechado, essa escolha ficaria confinada aos dias frios mas sem nuvens, aqueles em que o céu se apresenta limpo e um sol frio reino, onde o calor vem de outros lados, como de casacos rosa, e por certo que aquelas botas não seriam as mais confortáveis, embora a esse respeito tivesse mais dúvidas, poderia-se dar o acaso de que as botas com o tacão mais alto fossem as mais confortáveis. Ficava contente por estar com aquelas botas calçadas, sólidas e confortáveis, aquelas botas que pensava sempre que eram ferradas por terem uma costura por baixo na sola, a coser pele à base. Sempre que as calçava ficava com a sensação de ser um cavalheiro de outros tempos, algo entre um cavaleiro e um tipo daqueles que não tem amarras ao presente e mira o pôr-do-sol como destino, montado numa mota potente ou num barco à vela em direcção a Veneza. Ela, num vislumbre, seguiu o braço dele em trajectória descendente, tendo demorado um segundo a entender o movimento e ficando com a sensação que se tinha apercebido demasiado tarde. Não disse nem fez qualquer gesto, passando a poça com agilidade, contente com a sua independência de não precisar do braço dele para ultrapassar aquele simples obstáculo. No mar, muito depois das ondas rebentarem, pequenos barcos ardiam no firmamento.

quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

I can see the darkness, through the cracks

a noite abatia-se e com ela o frio a penetrar nos ossos. Uma mão, quase dormente, pendurava um cigarro da meia noite. Da janela do primeiro andar era impossível vê-los no passeio a olhar o mar, apenas um ponto vermelho. Dois casacos compridos e o cabelo levado pelo vento, duas figuras a preto e branco de costas para o mundo. Não falavam, ocupados a ver as ondas a esmagarem-se contra os rochedos. Dois mundos que não se tocavam unidos por um mar furioso. Ela fitava a espuma que se precipitava abandonada depois do embate, ele fumava um cigarro em que se comprimia o desejo de se enfiar dentro de água. O nevoeiro envolvia-os como um cobertor húmido que cortava as feições. Calados, sempre calados, as mãos dela escondidas; as dele, cada vez mais roxas, esqueciam a temperatura. De longe a longe um carro passava a alta velocidade para logo a estrada ficar vazia e apenas se notar o neblina a correr nos candeeiros. Tinham percorrido a marginal como se tentassem libertar-se de uma ameaça que os perseguia, cruzando a chuva rala que caía como se ela não existisse. A única coisa que comunicava entre eles era o barulho que o isqueiro dele fazia quando acendia um cigarro. O dia tinha-se afundado naquela margem de oceano e a noite imperava com o tom lilás que certas noites adquirem quando querem mostrar uma lua submersa de nuvens. A má iluminação noturna mostrava duas figuras a avançar com os casacos abertos pelo vento e as botas cada vez mais escuras de água. Quando resolveram parar, ainda chovia, e pelas faces rolavam pequenas gotas de água que os percorriam até ao peito. Tinham, já, passado o ponto em que o frio, ou a água, os incomodava, em que o abismo que as suas sombras projectavam tinha importância, que a ausência não se tinha tornado parte do caminho percorrido. Existia uma clausura que não parecia partir pela intemperie, uma dor que eles queriam quebrar pelo sofrimento infligido e que se transformava numa constante torturante. Os precipícios dentro de cada um deles berravam mais alto que as ondas a quebrarem, que o mar a galgar a praia, furioso, até quase os atingir no passeio, mas nenhum deles conseguia ouvir o outro, eram como dois barcos no meio das vagas sem conseguirem comunicar, fustigados pelo vento e pela chuva, tornados cegos pelo nevoeiro, a cruzarem irremediavelmente a espuma até aos rochedos lhes abrirem os cascos e sangrarem a asfixia de permanecerem imóveis sem que do primeiro andar alguém os conseguisse ouvir ou avisar que o farol se apagou, que o faroleiro ficou bêbado e tombou no café sem activar a luz, que aqui os espinhos não rasgam a pele, alojam-se e criam gangrena, escondidos na carne, até que a infecção se veja nos olhos e mais não consigam que os fechar, a arder de uma febre da qual não se conseguem libertar.

quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

in a shallow grave


From childhood's hour I have not been
As others were; I have not seen
As others saw; I could not bring
My passions from a common spring.
From the same source I have not taken
My sorrow; I could not awaken
My heart to joy at the same tone;
And all I loved, I loved alone.
Then- in my childhood, in the dawn
Of a most stormy life- was drawn
From every depth of good and ill
The mystery which binds me still:
From the torrent, or the fountain,
From the red cliff of the mountain,
From the sun that round me rolled
In its autumn tint of gold,
From the lightning in the sky
As it passed me flying by,
From the thunder and the storm,
And the cloud that took the form
(When the rest of Heaven was blue)
Of a demon in my view. 


E. A. Poe

quinta-feira, 27 de novembro de 2014

But my words like silent raindrops fell



Do not go gentle into that good night

Dylan Thomas1914 - 1953
Do not go gentle into that good night,
Old age should burn and rave at close of day;
Rage, rage against the dying of the light.

Though wise men at their end know dark is right,
Because their words had forked no lightning they
Do not go gentle into that good night.

Good men, the last wave by, crying how bright
Their frail deeds might have danced in a green bay,
Rage, rage against the dying of the light.

Wild men who caught and sang the sun in flight,
And learn, too late, they grieved it on its way,
Do not go gentle into that good night.

Grave men, near death, who see with blinding sight
Blind eyes could blaze like meteors and be gay,
Rage, rage against the dying of the light.

And you, my father, there on the sad height,
Curse, bless, me now with your fierce tears, I pray.
Do not go gentle into that good night.
Rage, rage against the dying of the light.

domingo, 16 de novembro de 2014

quinta-feira, 6 de novembro de 2014

é, o tempo não pára


Disparo contra o sol, sou forte sou pro acaso, minha metralhadora cheia de mágoas, eu sou o cara. Cansado de correr na direcção contrário, sem pódio de chegada ou beijo de narmorada, eu sou mais um cara. Mas se você achar que eu estou derrotado, saiba que ainda estão rolando os dados, porque o tempo, o tempo não pára. Dias sim, dias não, eu vou sobrevivendo sem um arranhão da caridade de quem me detesta. A tua piscina está cheia de ratos, tuas ideias não correspondem aos factos, o tempo não pára. Eu vejo o futuro repetir o passado, eu vejo um museu de grandes novidades, o tempo não pára. EU não tenho data para comemorar, às vezes os meus dias são de par em par, procurando a agulha num palheiro, nas noites de frio é melhor nem nascer, nas de calor se escolhe: é matar ou morrer, e assim nos tornamos brasileiros. Te chamam de ladrão, de bixa, maconheiro, transformam o país inteiro num puteiro pois assim se ganha mais dinheiro. A tua piscina está cheia de ratos, tuas ideias não correspondem aos factos, é o tempo não pára, eu vejo o futuro repetir o passado, eu vejo um museu, de grandes novidades mas, é o tempo não pára

segunda-feira, 3 de novembro de 2014

Book of Revelation



When the Lamb broke the fourth seal, I heard the voice of the fourth living creature saying, “Come.” I looked, and behold, an ashen horse; and he who sat on it had the name Death; and Hades was following with him. Authority was given to them over a fourth of the earth, to kill with sword and with famine and with pestilence and by the wild beasts of the earth.

sábado, 1 de novembro de 2014

quinta-feira, 30 de outubro de 2014

segunda-feira, 27 de outubro de 2014

sexta-feira, 24 de outubro de 2014

terça-feira, 21 de outubro de 2014

He broke from them, and then he broke from himself

I

    We are the hollow men
    We are the stuffed men
    Leaning together
    Headpiece filled with straw. Alas!
    Our dried voices, when
    We whisper together
    Are quiet and meaningless
    As wind in dry grass
    Or rats' feet over broken glass
    In our dry cellar
    
    Shape without form, shade without colour,
    Paralysed force, gesture without motion;
    
    Those who have crossed
    With direct eyes, to death's other Kingdom
    Remember us-if at all-not as lost
    Violent souls, but only
    As the hollow men
    The stuffed men.

T.S. Elliot

quinta-feira, 16 de outubro de 2014

O futuro é inexorável


A judgment made can never bend
(…)
putting out fire with gasoline

terça-feira, 7 de outubro de 2014

quarta-feira, 24 de setembro de 2014

sexta-feira, 19 de setembro de 2014

ex malo bonum

terça-feira, 16 de setembro de 2014

segunda-feira, 15 de setembro de 2014

Go darker


quinta-feira, 11 de setembro de 2014

cravar as facas na cintura industrial

tira a mão do queixo não penses mais nisso. Que lá vai já deu o que tinha a dar, quem ganhou ganhou e usou-se disso, quem perdeu há-de ter mais cartas para dar. Enquanto alguns fazem figura, outros sucumbem à batota, chega onde tu quiseres mas goza bem a tua rota. Enquanto houver estrada para andar a gente vai continuar, enquanto houver ventos e mar a gente não vai parar. Todos nós pagamos por tudo o que usamos, o sistema é antigo e não poupa ninguém, somos todos escravos do que precisamos. Reduz as necessidades se queres passar bem, que a dependência é uma besta que dá cabo do desejo e a liberdade é uma maluca que sabe quanto vale um beijo. Enquanto houver estrada para andar a gente vai continuar, enquanto houver ventos e mar a gente não vai parar. Enquanto houver estrada para andar, a gente vai continuar enquanto houver estrada para andar. Enquanto houver ventos e mar, agente não vai parar enquanto houver ventos e mar.

quinta-feira, 4 de setembro de 2014

quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Unix

quarta-feira, 13 de agosto de 2014

89 - The Look


“Não acho que alguém com cérebro possa alguma vez ser feliz”

sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Dostoievski



You loose all or win big, the last card will tell

quarta-feira, 6 de agosto de 2014

segunda-feira, 28 de julho de 2014

he ain't what he seems



na sua mão tinha a estranheza de não conseguir comunicar com as pessoas, na outra, na outra mão, uma ausência de chumbo pesado como o liquido que corroí a ferrugem do seu peito

quinta-feira, 17 de julho de 2014

Atira ao Zenit (e pode ser que te saia a duração da canção)



com a decadência de um cigarro e uma camisa desabotoada

(e uma performance pattiana de um requiem… por un Coun)

sexta-feira, 11 de julho de 2014

quarta-feira, 9 de julho de 2014

quarta-feira, 2 de julho de 2014

segunda-feira, 23 de junho de 2014

Notas de um suicida

"Que muitos viciados numa substância também são viciados em pensar, o que significa que mantêm uma relação pouco saudável e compulsiva com o seu próprio pensamento. (…) Que noventa e nove por cento do pensamento dos pensadores compulsivos é sobre eles mesmos; que noventa e nove por cento deste pensamento autodirecionado consiste em imaginar e depois prepararem-se para as coisas que lhe vão acontecer; e depois, estranhamente, que se deixarem de pensar sobre isso, que cem por cento das coisas em que ocupam noventa e nove por cento do seu tempo e energia imaginando e preparando-se para tudo, as contingências e consequências que delas podem advir nunca são boas. E que, portanto, isto se relaciona de forma bastante interessante com as necessidades da fase inicial de sobriedade de rezar pela perda literal da cabeça. Em poucas palavras, que noventa e nove por cento da atividade dessa cabeça consiste em tentar pregar um cagaço a si própria."
David Foster Wallace - A piada Infinita

quarta-feira, 11 de junho de 2014

segunda-feira, 2 de junho de 2014

Black Label

quarta-feira, 21 de maio de 2014

da parede

Não me interessa o que dizem os dissidentes da ditadura.
Mas confesso que gostava de chocolates Toblerone
que a minha tia me trazia no Natal.

Não acredito nos detidos políticos,
nem me impressionam os miúdos descalços
que mostram os dentes para as máquinas Minolta
dos turistas italianos.

Não vou pedir asilo.
Desconheço os avanços ou retrocessos económicos do meu país.
Já falei de Drácula que chegue.
Já apanhei morangos na Andaluzia.
Já fui cigana, já fui puta. Escusam de mo perguntar outra vez.

O que me preocupa — e isso, sim, pode ser relevante
para o fim da história — é saber quando é que me transformei,
eu que era uma loba solitária,
neste caniche de apartamento que vos fala agora?

Golgona Anghel

quarta-feira, 23 de abril de 2014

a arder em lume lento

Disseste-me que tinhas uma vocação extraordinária para magoar pessoas. acho que sorri, foi naquele café da meia noite, ou no dia seguinte. Cinco excepções para cinco confissões, foram mais, o bushmills correu como catalisador, ainda que distante. Sorri por reflexo, acreditei que tinhas uma vocação para magoar pessoas, para que o sol te pedisse calor e tu com pequenos estalactites para dar, com um vazio de gruta no peito a sorrir e a derramar o olhar como um manto cravejado de estrelas polares. A distância entre ti e o teu presente era tão grande que eu não podia deixar de acreditar. Vivias nas linhas escritas dos poetas antes de ti, nas cartas que se enviavam, nos telegramas. Vivamos todos aí, e, por engano, tínhamos que lidar com as personagens que sangravam, e a nós tudo nos parecia tão distantes. Na altura tinha 40 e poucos, tu, um pouco menos, ainda hoje um pouco menos ou talvez muito menos. Pouco sabíamos da vida, e isso não interessava. Os nossos dramas eram infinitos, assim como as nossas incertezas, o pendor dramático corroía-nos as insónias e vivamos sem saber que o nó no estômago podia ser desatado. Eu ainda não sei, talvez tu já o saibas mas não me ensinaste como fazer que as páginas escritas passassem a ser a realidade da paisagem à nossa frente. Não havia inocentes, só nós, era nisso que acreditávamos, já sem acreditar, sem nunca acreditar, hipersensibilidades hiperbrutalidade, mas de nós sabíamos o que nos era verdadeiro quando adormecemos por exaustão, dos outros é sempre uma incógnita que nos pede mais do que somos capaz de dar, que nos impele a cortar os olhos e a sacrificar as facas na cintura, com a vã esperança de responder ao que nos é pedido, de conseguir escrever o que os outros querem ler. Nunca capazes de escrever o que fica a arder em lume brando por tanto tempo, pelo tempo necessário para que valha a pena, sempre a considerar isso uma brutalidade encardida de mágoas, as que não temos a coragem de pagar. Partir, quebrar, ser, exultar, gritar com a força dos pulmões, já sem ar, que não somos capazes, que não nos é quente, que não fomos, que não somos, talvez, aquilo que era suposto, uma constante sensação de falha de características para o que queríamos dar, para o sorriso que queríamos alcançar. Existe essa dor dupla de falta de aderência, de olharmos o espelho e não sermos nós os reflectidos, outros talvez, algo melhor que nós, mas não nós, e, no mesmo gesto, nesse mesmo esgar de olhos, ver reflectido o que deveríamos ser e não conseguimos por falta de algo normal.
O pior é que tudo parece conspirar para que o escarlate com que se cobre o peito seja mais lento que o esperado, seja mais escuro, não silve a escuridão mas absorva a dor de não ser o que se queria. Fazer o bem dirias tu, mas fazer o bem é impossível, essa tentativa vã de fazer o bem magoa sempre mais do que era suposto. A ti dá-te certezas; a mim parece-me uma quimera capaz de incendiar as dores mais profundas dos ossos e corroer-nos os olhos, com a incerteza tonta de que se estamos a fazer o bem estaremos sempre protegido das noites de temor. É falso, é tudo uma falsidade, nem a honestidade parece possível, não sem ser desembainhar uma espada carregada de tétano, e nela não habita a certeza de fazer o bem, a honestidade não é bondosa, é uma verdade tão pessoal que ergue barreiras de sangue a arder destinada a magoar todos os que se aproximam. Respeitar e corresponder, esquecer, anular, engolir, fazer o devido, não desiludir. É mais ou menos honesto? Em tempos pensei ter-te dito a verdade, agora já não sei. As nossas dividas avolumam-se e o credor é um homem de preto do qual não conseguimos ver os olhos.
Estás a dizer asneiras. Sabes que as digo sempre. Isso é mentira rapaz, tu és perigoso. Nem sempre. é mentira, sabes bem que o problema não é esse. Nunca sei nada, só a insegurança.
Havia a incerteza da pertença, dizia-te eu, que não havia essa sensação, mesmo que a pertença ficasse no farol que quebra o mar. Tu dizias o contrário, que era a incerteza da incerteza, que te tinha desiludido e fendido os olhos como só um cruzador é capaz. Parecias viver no alugar dos locais, sem a definitiva sensação de serem teus, sem a certeza que era ali que voltavas todas as noites, pois no teu peito parecia sempre haver um lugar que escondias. Era essa duplicidade entre o interior e o exterior que te tirava a certeza de não teres pertença, dizias-me que sim, eu não sei se acreditava. Falava-te da ausência desse interior que não permite que haja exterior ao qual pertencemos e a ti não parecia estranho, fazendo-me acreditar que existia um abismo de rochas violetas entre as tuas pertenças e que uma guerra surda habitava neles, uma guerra que despedaçava os locais de forma tão violenta que te era impossível aceitares que não pertencias. Talvez seja sempre esse o estado de pertencer em pessoas como tu, uma violenta refrega entre o presente e o desajuste do ser. Havia pontes, bem sei que havia pontes, cinzentas de betão descarnado, de betão que deixa os ferros à mostra depois de tanto batido, que tu cruzavas a toda a hora com a vontade, com uma obrigação que era só interna, que te retesava os músculos e te prendia os nervos ao ponto de já não te ser possível falar a não ser contigo mesmo, de seres aquilo que devias, de pagares esses pequenos preços para toda a gente e que na verdade eram dívidas tão volumosas que te esmagavam contra o chão, em que cada passo era um arrastar que esfarelava os joelhos e te retirava o ar dos pulmões. Por meu lado, existia sempre um abismo de onde olhava na imobilidade de não ter para onde correr, de não me terem explicado porque ali estava e onde apenas uma pilha de livros me fazia companhia. Tentei deitar a pilha ao chão muitas vezes, disse-te, para conseguir ver se depois deles havia caminho, mas sempre que eles caiam aparecia o seu dobro, numa constante biblioteca de Borges que não deixava de ser também um dos seus labirintos aprisionadores. Talvez tudo não fosse mais do que um exagerado gosto pelas paisagens grandiosas em estado de degradação melancólica e a realidade fosse apenas a de normalidade para qualquer pessoa, uma pequena disputa entre ser e querer estar.
Não sei se concordo contigo. Porquê? Tens lume? - estende o braço - porque não me parece que todas as pessoas sintam o mesmo. Ou que se sintam tão atormentadas. Ou isso. É sempre mais difícil quando tens 60 anos e tens que te levantar às cinco da manhã para apanhar um autocarro, enquanto cinco pessoas estão atrás de ti ainda levados depois do jantar a fazer horas para as roulottes fecharem.
Falavas-me da honestidade como um dilema tão sofrido que eu não tenho a certeza se percebia completamente. Percebia como reflexo das minhas concepções da honestidade, na certeza que era sempre a melhor via. Debatias-te se seria sempre o melhor, se a honestidade contigo era mais importante do que a honestidade para com os outros, para com as tuas dívidas que nem sabias estar a contrair no momento em que as fizeste, que as tentas pagar por culpa, mais do que pelo sentido de o deveres, ou por uma questão de honestidade. Nunca percebi se a culpa era exterior ou eras tu que a formavas num ritual maníaco-depressivo, se eras tu que o permitias ou ela se instalava como uma parede opressora. Existia uma certa tendência para a misantropia que partilhávamos, e talvez isso emoldurasse as nossas relações com as culpas e a necessidade de ir pagando os preços até que de alguma forma algo se parte e a culpa torna-se o fim em si mesmo, imolando-se pelo fogo que foi contraindo. O tempo que medeia a dor e a dor à qual já não consegues sobreviver depende apenas da capacidade de sofrimento e do quanto te deixam sofrer, não pela cegueira mas pela partilha de dores. Existe um momento em que a honestidade é o que deves e outro em que a honestidade é apenas de uma brutal cobardia. Que deves tu a ti mesmo? mais do que fazeres o que achas que deves? sem a segurança de que não haja sangue, de que as tuas mãos não agarrem um punhal que sangre pelo cabo?
e tu olhavas-me com a cinza do cigarro a pender do cotovelo pousado na mesa, os meus olhos mais baixos, que os teus já marejados, à procura de um ponto onde fixar os nós que parecem esmigalhar-se no peito criando buracos de nada. Um cinzeiro e dois copos na mesa, uma janela ao canto de onde só se via um mar cinza de nevoeiro e os candeeiros criavam pequenas abóbadas amarelas ao seu redor.
Perguntaste-me muitas vezes qual é a linha que separa a ignomínia do que se deve dar, qual a fronteira onde o que fazes já é te rebaixares, se as outras pessoas fazem o mesmo, se é o que deve ser, se é o suposto. Nunca soube responder, nunca percebi o que é normal, alguns dir-te-iam que a fronteira está onde estás feliz, mas ambos sabemos que essa fronteira não serve, se essa fosse a nossa escolha significava nunca fazer nada e estar permanentemente em fuga, estar sempre no estado de não estar. A colocar-se, seria a questão do que nós temos que dar, para outros estarem felizes, com a esperança de assim termos algum espaço para o mesmo, e isso sempre foi o que nos coloca nesta violência de insónias e asfixia.
Pára, por favor pára!

Red light

terça-feira, 15 de abril de 2014

O silêncio, ai o silêncio

“Não há gravações do que se passou durante a entrega do Grande Prémio de Romance e Novela da APE, na sala 2 da Fundação Gulbenkian, a 7 de Abril. Havia jornalistas presentes mas não em trabalho, a tomar notas. Por isso não há forma de citar “ipsis verbis” o que disse o Secretário de Estado da Cultura (SEC), Jorge Barreto Xavier. Mas há algumas dezenas de testemunhas que podem acrescentar ou corrigir o que vou tentar resumir agora aqui, por tudo se ter passado numa cerimónia pública.
Sendo este prémio tradicionalmente entregue pelo Presidente da República, decidiu o actual presidente, Cavaco Silva, à semelhança de anos anteriores, fazer-se representar. Neste caso, pelo seu Consultor para Assuntos Culturais, Diogo Pires Aurélio. Isto era o que eu sabia quando escrevi o discurso para a ocasião.
Já no átrio da Gulbenkian, perto da hora marcada, 18h, a APE comunicou-me que a cerimónia estava um pouco atrasada porque esperavam o Secretário de Estado da Cultura.
Quando Barreto Xavier chegou e entrámos todos para a sala, o protocolo sentou-o ao centro da mesa, junto a Diogo Pires Aurélio. Nas pontas, Gulbenkian (representada por Rui Vieira Nery), APE (José Manuel Mendes, José Correia Tavares), júri (representado por Isabel Cristina Rodrigues) e eu. Vieira Nery abriu, sucintamente; seguiram-se discursos da APE; Isabel Cristina Rodrigues leu o texto em que o júri justifica a atribuição do prémio a "E a Noite Roda". Diogo Pires Aurélio e eu levantámo-nos para que ele me entregasse o sobrescrito do prémio, um minuto de formalidade, sem palavras, para a fotografia. Chegou a minha vez de discursar, li as páginas que trazia. No fim, houve uma ovação de pé. Digo isto para dar conta da atmosfera que os representantes do poder político tinham diante de si.
A APE convidou então o SEC a intervir. Ele escolheu falar sentado, sem se deslocar ao púlpito. Uma das coisas que disse, na parte, digamos, cultural da intervenção, foi que eu bem podia declarar que não fazia ficção porque claro que fazia ficção porque é isso que um escritor faz, ficção. Foi o primeiro arroubo dirigista, que nos devia ter preparado para o que aí vinha.
Na parte, digamos, política, destaco quatro coisas: o SEC disse que eu devia estar grata por estarmos em democracia e eu poder dizer o que dissera; que durante anos os portugueses se tinham endividado acima das suas possibilidades; que, ao contrário do que eu dissera, ninguém saíra de Portugal por incentivo deste governo; e, sobretudo, que eu tinha dito que não devia nada a este governo mas que isso não era verdade porque este governo também subsidiava o prémio.
Referia-se ele, assim, a um prémio com décadas de existência; atribuído a alguns dos mais extraordinários escritores de língua portuguesa; cujo montante em dinheiro resulta de vários patrocínios, sendo que os públicos resultam do dinheiro dos contribuintes; e que tem atravessado os mais variados governos, sem que nunca, que me recorde, algum governante o tenha tentado instrumentalizar. Foi a mais escancarada confusão de Estado com Governo que já presenciei, para além do tom chantagista ao nível de jardim de infância das ditaduras. E, apesar dos apupos, de quem lhe gritava da plateia "Mentira!" e "O Estado somos nós!", o SEC insistia.
Como cabe ao Presidente da República, ou seu representante, encerrar a cerimónia, a APE instou Diogo Pires Aurélio a falar. O representante do Presidente da República declinou e encerrou a sessão. No fim, cumprimentou cordatamente todos os presentes na mesa e retirou-se.
Já Barreto Xavier, aproximou-se de mim na confusão da retirada. Julguei que se vinha despedir, depois de dizer o que tinha a dizer. Nada disso. Queria dizer-me, visivelmente irritado, que o que eu fizera tinha sido de um grande "primarismo". Respondi-lhe que então devia ter dito isso mesmo ao microfone, que eu já dissera o que tinha a dizer e não lhe ia dizer mais nada. Fui andando, para contornar a mesa e acabar com a cena, mas o SEC insistia: que eu tinha sido “primária”.
- Espécie de nota de imprensa de Alexandra Lucas Coelho 

o que me espantou não foi o sucedido, foi a aparente normalidade com que o caso foi tratado, ou não tratado, na comunicação social. Gostava de ter ouvido (ou lido, caso se tratasse de outra espécie de nota de imprensa) a versão do SEC. Se calhar é só a mim que me parece mais grave que todas as outras trapalhadas noticiadas sobre o mesmo membro do governo, é que não se trata de espoliação do património material comum mas sim de… enfim, por cornos com a mão foi o outro corrido...

sexta-feira, 4 de abril de 2014

Lá fora estão os senhores da guerra

Eu que sempre soube que te ia perder, apetecia-me ir bater à porta que conhecia mas o aviso de que ias para a guerra chegou há três meses e tu já partiste. Tentei perceber se os teus dois amigos foram contigo, mas deles nada soube, talvez tenham mudado de casa, não sei. Já não te via há algum tempo, desde que paraste de espreitar pela janela do local onde, cada vez menos, vou fumar como os meninos pequenos. Por vezes ainda olhava por cima do ombro e pensava ver-te a sombra, mas, depois, um barulho estalava e eu percebia que era só um ramo a bater na vidraça. Uma ou duas vezes liguei mesmo a luz e sai da penumbra a ver se, se fosses tu, darias um passo em frente e me deixavas uma mensagem gravada no tronco da árvore com o canivete. Agora tenho a certeza que foste para a guerra, para um qualquer país onde a batalha se trave, eu que nunca tive um familiar que fosse para uma guerra que não fosse nossa, o meu avó nasceu com a primeira guerra e na segunda não foi ninguém, só os meus tios foram para as colónias. Mas aí o caso era inteiramente diferente, foram defender o que diziam que era nosso, e concordando ou não lá foram porque não iam fugir para os locais para onde te enviaram, não tinham essa hipótese. Dizem-me que foi voluntário, que a decisão foi tua, mas não acredito bem nisso, não ias abandonar tudo a não ser que sentisses não ter outra escolha. Parece-me que ainda te vejo os sapatos na soleira da porta a perguntar se podias romper o meu silêncio e eu, que tantas vezes fingi não ver, só queria que o rompesses. Fugi quando não aguentava fazer mais, a pensar que não te impedia e tu agora foste, com as alternativas magras. Se soubesse podia não ter fugido, não sei, os lenços caíam-me com as lágrimas e eu não tenho a certeza se seria capaz de te impedir de alguma coisa, só sabia que te impedia a vida. Apetecia-me enviar-te um e-mail, mas não há caixas de e-mail na guerra, só novos começos todos os dias, com a fadiga das noites no céu estrelado e peito trémulo nas pintas da farda. Não quero ser como as meninas de lenço na mão a acenar aos navios, a pedir-te para teres cuidado e que cuides de ti. Que voltes bem, sem feridas. Não quero, pela mão, cheia de nada, que não consegue segurar lenços quando eles me caem, como lágrimas.

terça-feira, 11 de março de 2014

espelhos distorcidos

Quando se fuma como eu fumo, com a alma partida e a face rasgada por um lápis de metal, a inocência torna-se quimera ardente.

Quando se fuma assim, como eu fumo, ou como a rapariga de olhos verdes fuma, não se escapa da dor, aumenta-se a dor a cada bafo na esperança que o fundo não esteja longe e depois se parta daí com a dor evangelizada.



andava com estes dois pedaços de texto na cintura há mais de quatro meses, parte do texto escrito até já migrou para outro deixando o esqueleto ainda mais branco, e de repente, um daqueles tipos que nos rasgam o imaginário escreveu o que andávamos a dançar há meses de uma maneira que nunca seríamos capazes de escrever, e éramos capazes de jurar que nunca o tínhamos visto, mas se calhar vimos:

LA CANCIÓN DEL CROUPIER DEL MISSISSIPI

Canción pirata
Fumo mucho. Demasiado.
Fumo para frotar el tiempo y a veces oigo la radio,
y oigo pasar la vida como quien pone la radio.
Fumo mucho. En el cenicero hay
ideas y poemas y voces
de amigos que no tengo. Y tengo
la boca llena de sangre,
y sangre que sale de las grietas de mi cráneo
y toda mi alma sabe a sangre,
sangre fresca no sé si de cerdo o de hombre que soy,
en toda mi alma acuchillada por mujeres y niños
que se mueven ingenuos, torpes, en
esta vida que ya sé.
Me palpo el pecho de pronto, nervioso,
y no siento un corazón. No hay,
no existe en nadie esa cosa que llaman corazón
sino quizá en el alcohol, en esa
sangre que yo bebo y que es la sangre de Cristo,
la única sangre en este mundo que no existe
que es como el mal programado, o
como fábrica de vida o un sastre
que ha olvidado quién es y sigue viviendo, o
quizá el reloj y las horas pasan.
Me palpo, nervioso, los ojos y los pies y el dedo gordo
de la mano lo meto en el ojo, y estoy sucio
y mi vida oliendo.
Y sueño que he vivido y que me llamo de algún modo
y que este cuento es cierto, este
absurdo que delatan mis ojos,
este delirio en Veracruz, y que este
país es cierto este lugar parecido al Infierno,
que llaman España, he oído
a los muertos que el Infierno
es mejor que esto y se parece más.
Me digo que soy Pessoa, como Pessoa era Álvaro de Campos,
me digo que estar borracho es no estarlo
toda la vida, es
estar borracho de vida y no de muerte,
es una sangre distinta de esa otra
espesa que se cuela por los tejados y por las paredes
y los agujeros de la vida.
Y es que no hay otra comunión
ni otro espasmo que este del vino
y ningún otro sexo ni mujer
que el vaso de alcohol besándome los labios
que este vaso de alcohol que llevo en el
cerebro, en los pies, en la sangre.
que este vaso de vino oscuro o blanco,
de ginebra o de ron o lo que sea
- ginebra y cerveza, por ejemplo -
que es como la infancia, y no es
huida, ni evasión, ni sueño
sino la única vida real y todo lo posible
y agarro de nuevo la copa como el cuello de la vida y cuento
a algún ser que es probable que esté
ahí la vida de los dioses
y unos días soy Caín, y otros
un jugador de poker que bebe whisky perfectamente y otros
un cazador de dotes que por otra parte he sido
pero lo mío es como en “Dulce pájaro de juventud”
un cazador de dotes hermoso y alcohólico, y otros días,
un asesino tímido y psicótico, y otros
alguien que ha muerto quién sabe hace cuánto,
en qué ciudad, entre marineros ebrios. Algunos me
recuerdan, dicen
con la copa en la mano, hablando mucho,
hablando para poder existir de que
no hay nada mejor que decirse
a sí mismo una proposición de Wittgenstein mientras sube
la marea del vino en la sangre y el alma.
O bien alguien perdido en las galerías del espejo
buscando a su Novia. Y otras veces
soy Abel que tiene un plan perfecto
para rescatar la vida y restaurar a los hombres
y también a veces lloro por no ser un esclavo
negro en el sur, llorando
entre las plantaciones!
Es tan bella la ruina, tan profunda
sé todos sus colores y es
como una sinfonía la música del acabamiento,
como música que tocan en el más allá,
y ya no tengo sangre en las venas, sino alcohol,
tengo sangre en los ojos de borracho
y el alma invadida de sangre como de una vomitona,
y vomito el alma por las mañanas,
después de pasar toda la noche jurando
frente a una muñeca de goma que existe Dios.
Escribir en España no es llorar, es beber,
es beber la rabia del que no se resigna
a morir en las esquinas, es beber y mal
decir, blasfemar contra España
contra este país sin dioses pero con
estatuas de dioses, es
beber en la iglesia con música de órgano
es caerse borracho en los recitales y manchas de vino
tinto y sangre “Le livre des masques” de Rémy de Gourmont
caerse húmedo babeante y tonto y
derrumbarse como un árbol ante los farolillos
de esta verbena cultural. Escribir en España es tener
hasta el borde en la sangre este alcohol de locura que ya
no justifica nada ni nadie, ninguna sombra
de las que allí había al principio.
Y decir al morir, cuando tenga
ya en la boca y cabeza la baba del suicidio
gritarle a las sombras, a las tantas que hay y fantasmas
en este paraíso para espectros
y también a los ciervos que he visto en el bosque,
y a los pájaros y a los lobos en la calle y
acechando en las esquinas.

Leopoldo María Panero

quinta-feira, 6 de março de 2014

Leopoldo María Panero (1948 - 2014)

“Morreu Leopoldo María Panero, morreu o nosso Peter Pan, o nosso Artaud, o nosso louco, o nosso intocável, o nosso monstro. Aconteceu em Las Palmas (Gran Canária), à meia-noite, na Unidade Clínica de Reabilitação do Hospital Juan Carlos I. Chegou a hora do obituário mais esperado da literatura espanhola.”
El Mundo



El Loco

He vivido entre los arrabales, pareciendo
un mono, he vivido en la alcantarilla

transportando las heces,
he vivido dos años en el Pueblo de las Moscas
y aprendido a nutrirme de lo que suelto.
Fui una culebra deslizándose
por la ruina del hombre, gritando
aforismos en pie sobre los muertos,
atravesando mares de carne desconocida
con mis logaritmos.
Y sólo pude pensar que de niño me secuestraron para una alucinante batalla
y que mis padres me sedujeron para
ejecutar el sacrilegio, entre ancianos y muertos.
He enseñado a moverse a las larvas
sobre los cuerpos, y a las mujeres a oír
cómo cantan los árboles al crepúsculo, y lloran.
Y los hombres manchaban mi cara con cieno, al hablar,
y decían con los ojos «fuera de la vida», o bien «no hay nada que pueda
ser menos todavía que tu alma», o bien «cómo te llamas»
y «qué oscuro es tu nombre».
He vivido los blancos de la vida,
sus equivocaciones, sus olvidos, su
torpeza incesante y recuerdo su
misterio brutal, y el tentacúlo
suyo acariciarme el vientre y las nalgas y los pies
frenéticos de huida.
He vivido su tentación, y he vivido el pecado
del que nadie cabe nunca nos absuelva

quarta-feira, 5 de março de 2014

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

domingo, 12 de janeiro de 2014

terça-feira, 7 de janeiro de 2014

2013




I got a feeling I just can't shake, I got a feeling that just won't go away - You've got it, just keep on pushing and, keep on pushing, Push the sky away. And if your friends think that you should do it different, And if they think that you should do it the same. You've got it, just keep on pushing and, keep on pushing. Push the sky away. And if you feel you got everything you came for, If you got everything and you don't want no more, You've got it, just keep on pushing and, keep on pushing. Push the sky away!

Some people say it's just rock 'n' roll. Aw, but it gets you right down to your soul - You've got it, just keep on pushing and, keep on pushing - Push the sky away

You've got it, just keep on pushing and, keep on pushing. Push the sky away...