terça-feira, 30 de dezembro de 2014

As he bummed his cigarette



ouve-me
que o dia te seja limpo e
a cada esquina de luz possas recolher 
alimento suficiente para a tua morte
vai até onde ninguém te possa falar
ou reconhecer – vai por esse campo 
de crateras extintas – vai por essa porta 
de água tão vasta quanto a noite
deixa a árvore das cassiopeias cobrir-te
e as loucas aveias que o ácido enferrujou
erguerem-se na vertigem do voo – deixa
que o outono traga os pássaros e as abelhas
para pernoitarem na doçura
do teu breve coração – ouve-me
que o dia te seja limpo
e para lá da pele constrói o arco de sal
a morada eterna – o mar por onde fugirá
o etéreo visitante desta noite
não esqueças o navio carregado de lumes
de desejos em poeira – não esqueças o ouro
o marfim – os sessenta comprimidos letais
ao pequeno-almoço
in Horto de incêndio, Lisboa: Assírio & Alvim, 1997

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