Em Bruxelas? mas o que vou fazer a bruxelas? comer chocolates e mijar nas fontes? Não me parece. é preciso que vás lá, já te reservei hotel. fazer o quê? há coisas que não se dizem por telefone. temos que arranjar um novo meio de comunicação. regressar aos antigos? talvez, mas este parece-me desadequado. Desadequado porquê? é curto. curto? tu é que és curto. pois isso já sabemos, mas mesmo assim parece-me melhor mudar. seja, como quiseres, mas vais ter que ir lá.
Dois dias depois encontramos-nos no escritório do rio. Simpático, com uma nesga de rio pela janela, de viés claro, de frente era uma praça com um artefacto com um significado qualquer que nunca cheguei a saber qual era - demasiados carros estacionados para que eu me desse ao trabalho de deambular por lá ao telefone. Chegou atrasado como era hábito o que me deu tempo para ficar a ver a vizinhança. Já não ia lá há algum tempo e o bairro, embora não muito agradável para a classe média, era consideravelmente aprazível. Na verdade, não demorará muito a que nenhum dos actuais habitantes consiga lá viver. A maior parte morrerá, estão a caminhar para lá de forma bastante sustentada do alto dos seus setenta anos, e os restantes, a maior parte filhos e netos ficará sem conseguir suportar o elevar das rendas ou resistir ao poder de mais umas quantas massas no bolso em troco de irem viver para outro lado, um bocadinho mais afastado do rio ou na mais completa periferia talvez seja mais realista. Os que resistirem serão alvo de uma tramóia qualquer com a câmara municipal que conseguirá levantar problemas suficientes para que o preço, bastante abaixo dos futuros proveitos que os agentes imobiliários tirarão quando pintarem e escavacarem as casas para fazer delas espaços de áreas aprazíveis à nova classe que se esquecerá rapidamente que nem sempre ali viveu, que lhes ofereceram seja muito razoável. Em todo o caso o Bigs, café bar, já parece ser um sinal estranho, ainda tem muita gente amiga dos netos do bairro, deste fenómeno. Gajo porreiro o dono, conseguimos depois umas quantas idas lá, e umas quantas garrafas de espumante abertas, que ele nos desse a atenção necessária para perceber que tinha que isolar aquilo de forma decente, gastava muito em electricidade para aquecer ou arrefecer aquilo, ou pelo menos foi o que o convenceu, e que nós, por mero acaso, sabíamos exactamente quem deveria fazer o trabalho por um valor muito razoável, e respectivos 30% de agenciamento. Quando chegou, já eu estava no terceiro cigarro e a pensar porque é que aquele escritório era ainda mais despido que os outros, três mesas, quatro cadeiras, duas prateleiras vazias, um armário de metal sem portas e um teclado e um monitor, nada de computador propriamente dito, esbaforido e com o telefone colado ao ouvido fez uns sinais de que era só mais um segundo e pegou na chave da casa de banho e desapareceu por mais vinte minutos. Embora não fosse assim tão normal como isso o melhor é nunca perguntar a um tipo porque é que ele demora vinte minutos na casa de banho, em especial se chega a falar como se se tivesse ausentado apenas um minuto. Em frente ao escritório, que ficava num segundo piso do que poderia ter sido em tempos um armazém do início do século XX, ficava um edifício, mais ao menos, gémeo que albergava uma embaixada de uma país de leste qualquer. Já lá tinha ido vezes suficientes para perceber que o gordo que chegava num fiat 500, dos novos, branco, com um excesso de velocidade de pelo menos o dobro do permitido na zona, era o embaixador; entrava directamente para a garagem e já só se o via a percorrer o corredor enquanto as pessoas o cumprimentavam com muitos salamaleques, ou pelo menos assim o parecia, estilo filme mudo, do outro lado da rua.
onde estacionaste? na rua que desce para o tanque. qual tanque? duas ruas atrás. Ah, aquilo é um tanque? é, nunca viste as mulheres a lavar lá roupa? bem, vamos ao que interessa. Amanhã tens que ir a Bruxelas ter com o Albert. Quem? Aquele com quem estiveste em Bucareste, o da farda de general. General? Não interessa, de militar. Sei. Tens que ir lá ter com ele e um sócio e ver como é que se envia um contentor da Serra Leoa para cá e depois para Itália. ok, está acertado com ele o preço? está, o Piçarra tratou disso. Só tens que ver como é que são as garantias necessárias. bancárias? sim, e quanto é que ele paga pelo serviço. Que é que vem no contentor? - algo que ficava sempre na dúvida de querer saber. Níquel. porque é que tem que passar cá? faz-se dinheiro com aquilo. Quem é o proprietário do contentor? Uma das empresas do general. é só para fazer o transporte? só. ok, mas digo-te já que acho uma ideia de merda fazer isto em Bruxelas, de merda mesmo.
"Na noite profunda e escura da alma, são sempre três horas da madrugada." - F. Scott Fitzgerald
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sábado, 22 de agosto de 2015
sexta-feira, 21 de agosto de 2015
quinta-feira, 20 de agosto de 2015
quarta-feira, 19 de agosto de 2015
Upon your shore
Querer tinha pouco a haver com a situação, talvez por isso se tivesse afastado do dia-a-dia, era algo que lhe corria nas veias e lhe inundava a mente em todas as situações. Tinha tentado os tratamentos do costume, mais ou menos assistidos, sem grande sucesso. A espaços conseguia uns dias sem que o corpo se contorcesse, olhava para baixo e pensava que já tinha recuperado o seu estado prévio e era aí que percebia que nada tinha passado e tudo voltava. À mesa de refeições ficava de repente sem apetite, que já não era muito, pelo que estava a ser servido, quando se ia deitar enfrentava a insónia e acordava nessa insónia de manhã, demasiado cedo sem a noção de onde acordava, mas onde o caso era mais grave era nas longas horas do dia. De noite, sempre conseguia desaparecer por umas horas e mais das vezes não se lembrava do que sonhava, agora de dia não havia fuga possível. Nas lentas horas das tardes era uma realidade que queimava a pele, que se consumia em cigarros e água na tentativa de limpar o organismo. Olhava e procurava, refazia mentalmente o processo vezes sem contas, eram golas vermelhas e alças pretas, quadros que faziam lembrar pollock, tudo coberto com cortinas de fumo. Levantava-se e sentava-se constantemente, pequenos passos para a frente e para trás, os olhos perdidos noutros mundos, noutras geografias, as imagens a cruzar-lhe a mente sem sentido, desde toxinas de cobras para curar estrabismo a sapatos com flores no calcanhar, métodos de monte carlo e rendas. Procurava distrair-se com actividades manuais, acalmar, procurar no craftster algo onde se fixar, um paliativo de pouco impacto. Não, não tinha nada a haver com querer, era uma impressão de pele.
terça-feira, 18 de agosto de 2015
quinta-feira, 13 de agosto de 2015
Cat people
Avistei o Baltazar a passar ao longe, naquela linha da costas vêm-se vultos que mais parecem gatos negros e o Arquimedes dentro de água gritaria tão alto que se ouviria em Paris. O sol encontra-se de frente e a imagem que tens é a que guardas na retina dos olhos de anos volvidos, franzes a testa e é um decalque do que guardas que vai passando. Ainda o tentei alcançar mas ele já se tinha esfumado, talvez o consiga ver, mais tarde, no canto do costume.
quinta-feira, 23 de julho de 2015
Purple heart
não se pode retirar, não se pode dar também, é algo que se merece e que fica sempre, a pender da lapela e do corpo
segunda-feira, 8 de junho de 2015
I know…
é lento o lento passar dos dias, começava assim a música na minha cabeça.
há mais de um ano que sei, que o rei não estava na melhor das formas, mas sempre achei que aquele pó, mágico, de tijolo ia ser o elixir da juventude dele. Ali nada o poderia bater, pensava eu, mesmo que a realidade já tivesse dito o contrário, lá tudo é mágico. Derrotado para mim continuava a ganhar aquela final onde faziam 22 graus e aqui estava um tempo de país tropical. A bola batida, o deslizar, inapto, quase forçado, fazia-nos crer que ele não estava realmente ali. Só um deslizar decente no jogo todo por parte do que ganhou. Não gosto dele, falta-lhe o cavalheirismo, de resto tem tudo para que eu gostasse, a falta de físico adequado, o tipo que não parece nunca ser capaz. Não, não é a melhor esquerda a uma mão, isso é o Gasquet, e como ele gostaria de lá estar, e talvez eu, até, pudesse torcer um bocadinho pela vitória - tudo menos o sérvio, na verdade. Mas lá ganhou o suiço, o que não fica para a história; o que fica, isso sim, é que a maldição do touro permanece… afinal, se calhar, o rei ganhou mesmo a final...
sábado, 6 de junho de 2015
a kind of...
Quando cheguei tudo me era desconhecido e depois como um puzzle as peças foram-me construindo a lembrança. Os pedaços eram colocados com a maior urgência, como pela mão de um gigante biónico que começa por fazer os cantos, para logo passar às bordas, como me dizem que se fazem puzzles, na mesma ordem com que se coze um ovo, primeiro a clara passa do seu estado de placenta para a rigidez plástica do branco e, só depois, a gema começa, languidamente, a enrijecer, sem esquecer o seu estado de compota. O gigante ia atirando as peças para os seus lugar correctos e eu reconhecendo-os com uma familiaridade assombrosa. Primeiro a rua que sobe, o bar que ainda hoje me parece ter levado um chuto que o deslocou umas casas para cima, um agora motel, onde antes era apenas pensão de putas à qual não dei muita atenção. Hoje é impossível não prestar atenção, em todas as janelas letreiros a dizer motel. O gigante continuava a atirar peças a uma velocidade estonteante, e, eu, após seis anos via a geografia do local com cores technicolor. O botéco da esquina agora serve "portuguese tipical food", antes era um pardieiro de copos cheios até transbordar, a rua sobe incrivelmente, não sei como a trilhei antes sem sentir o seu declive. A encimar continua o restaurante com mercearia à entrada, só serve a uns quantos é verdade, por iniciativa própria só compraria cogumelos secos e fugia dali para fora como acometido por uma doença contagiosa qualquer. Reparaste que antes tem um bar de meninas que dançam a partir das seis da tarde? Deve ser por isso que tem lá o motel, uma coisa leva à outra e não há lenocínio para ninguém, tudo dentro das vontades adultas e consentidas, afinal de contas o acto de consumo é algo que a sociedade actual enquadra melhor se feito por adultos. O restaurante continua igual, pelo menos de fora, não entrei. Nem fazia sentido. à frente tem um hotel, sabias? eu não, não o vi, aliás continuo com a sensação que não vi nada, embora guie a mão do ser que põe as peças. é tudo muito estranho e vivido, demasiado vivido até, parece que afinal o gigante não é biónico mas o Kubrcik e nada disto é muito real. Não fosse a minha ida aqueles bancos junto ao rio, à estátua que parece um grupo de gente desenhada pelo Munoz, e o café que serve tostas mistas, o que em Portugal não parece estranho, não acreditaria em nada disto. Não visse o carro bordô estacionado e os momentos antes da partida e juraria que é tudo falso, que o restaurante não existia, que não sabia se tem ou não mercearia, que o clube não mudou de sitio, que o parque de estacionamento não teve um teatro, que não existiram iogurtes de madrugada, que o calor era tanto que nos sentíamos embriagados, que se discutiam livros e loucuras em las vegas, que se falava nas mais inusitadas situações como obrigação. Negaria tudo e mandava o gajo à fava, mas tenho um medo terrível de não conseguir completar o puzzle.
sábado, 30 de maio de 2015
quarta-feira, 27 de maio de 2015
segunda-feira, 11 de maio de 2015
sexta-feira, 20 de março de 2015
o grito e o eco da metralha
sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015
quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015
55 anos depois...
de um livro que demorei tanto a ler (e que estupidez foi essa demora):
“Após muita reflexão e hesitação, partilhei este livro com algumas pessoas em quem confio e fiquei satisfeita por saber que elas o consideram digno de publicação. Estou maravilhada em poder publicar depois de todos estes anos” - Harper Lee
“Após muita reflexão e hesitação, partilhei este livro com algumas pessoas em quem confio e fiquei satisfeita por saber que elas o consideram digno de publicação. Estou maravilhada em poder publicar depois de todos estes anos” - Harper Lee
sexta-feira, 23 de janeiro de 2015
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