sexta-feira, 19 de junho de 2015

we should

Saudade daquela vila feita cidade, plantada na margem do atlântico e dos braços de homens que puxam redes e dos braços de mulheres que puxam esses homens e da destreza das facas com que esventram e do sorriso franco rasgado na pele curtida pelo sol e pelas dificuldades de uma vida curta demais. Saudade daquele local onde a luz penetra directamente na alma e onde o vento, ao contrario da via sagrada de Dafní, gela o corpo compondo uma paisagem interior de beleza, glacial do branco que cavalga a espuma das ondas a esfarelarem-se nos rochedos com nome de santos e elementos prosaicos da vivencia da terra como paragem ou boca da baleia, e nem a visao do terceiro andar daquele predio com dois elevadores que nao utilizava ja ha tres anos substituia, nem a silhueta da torre eiffel, nem o caudal que se ia espraiando por baixo de pontes engalanadas mitigava aquela imagem daquele cais onde eternamente uma mulher de bronze esperava o seu marido com um medalhão ao peito com a sua figura. Relicario particular de dor e salvação, presença sempre ausente que é preciso lembrar para nao estranhar os seus bracos feitos de nós quando chega ou para nao se perder o nome levado pelo mar e pela miseria dos pés descalços e boné na cabeca enquanto os ventos das fiordes rasgam sulcos na pele e os maços de SG Gigante caem borda fora.
Ele que não tinha ido para Paris para se tornar artista ou fazer um doutoramento mas tão somente para se esquecer da sua presenca, para ganhar distanciamento da vida, para fingir que não estava a desistir apenas porque o local onde escolheu desistir era essa cidade onde muitos dos seus heróis viveram de passagem. Era essa característica de passagem que o fez ir, para fazer a passagem de si mesmo, algo inominavel, algo que não definia sob pena de ter que assumir que estava a fazer uma passagem para se encerrar na sua mente, cada vez mais estranha e cheia de nervos retorcidos.

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