sábado, 22 de agosto de 2015

give me a sign

Em Bruxelas? mas o que vou fazer a bruxelas? comer chocolates e mijar nas fontes? Não me parece. é preciso que vás lá, já te reservei hotel. fazer o quê? há coisas que não se dizem por telefone. temos que arranjar um novo meio de comunicação. regressar aos antigos? talvez, mas este parece-me desadequado. Desadequado porquê? é curto. curto? tu é que és curto. pois isso já sabemos, mas mesmo assim parece-me melhor mudar. seja, como quiseres, mas vais ter que ir lá.

Dois dias depois encontramos-nos no escritório do rio. Simpático, com uma nesga de rio pela janela, de viés claro, de frente era uma praça com um artefacto com um significado qualquer que nunca cheguei a saber qual era - demasiados carros estacionados para que eu me desse ao trabalho de deambular por lá ao telefone. Chegou atrasado como era hábito o que me deu tempo para ficar a ver a vizinhança. Já não ia lá há algum tempo e o bairro, embora não muito agradável para a classe média, era consideravelmente aprazível. Na verdade, não demorará muito a que nenhum dos actuais habitantes consiga lá viver. A maior parte morrerá, estão a caminhar para lá de forma bastante sustentada do alto dos seus setenta anos, e os restantes, a maior parte filhos e netos ficará sem conseguir suportar o elevar das rendas ou resistir ao poder de mais umas quantas massas no bolso em troco de irem viver para outro lado, um bocadinho mais afastado do rio ou na mais completa periferia talvez seja mais realista. Os que resistirem serão alvo de uma tramóia qualquer com a câmara municipal que conseguirá levantar problemas suficientes para que o preço, bastante abaixo dos futuros proveitos que os agentes imobiliários tirarão quando pintarem e escavacarem as casas para fazer delas espaços de áreas aprazíveis à nova classe que se esquecerá rapidamente que nem sempre ali viveu, que lhes ofereceram seja muito razoável. Em todo o caso o Bigs, café bar, já parece ser um sinal estranho, ainda tem muita gente amiga dos netos do bairro, deste fenómeno. Gajo porreiro o dono, conseguimos depois umas quantas idas lá, e umas quantas garrafas de espumante abertas, que ele nos desse a atenção necessária para perceber que tinha que isolar aquilo de forma decente, gastava muito em electricidade para aquecer ou arrefecer aquilo, ou pelo menos foi o que o convenceu, e que nós, por mero acaso, sabíamos exactamente quem deveria fazer o trabalho por um valor muito razoável, e respectivos 30% de agenciamento. Quando chegou, já eu estava no terceiro cigarro e a pensar porque é que aquele escritório era ainda mais despido que os outros, três mesas, quatro cadeiras, duas prateleiras vazias, um armário de metal sem portas e um teclado e um monitor, nada de computador propriamente dito, esbaforido e com o telefone colado ao ouvido fez uns sinais de que era só mais um segundo e pegou na chave da casa de banho e desapareceu por mais vinte minutos. Embora não fosse assim tão normal como isso o melhor é nunca perguntar a um tipo porque é que ele demora vinte minutos na casa de banho, em especial se chega a falar como se se tivesse ausentado apenas um minuto. Em frente ao escritório, que ficava num segundo piso do que poderia ter sido em tempos um armazém do início do século XX, ficava um edifício, mais ao menos, gémeo que albergava uma embaixada de uma país de leste qualquer. Já lá tinha ido vezes suficientes para perceber que o gordo que chegava num fiat 500, dos novos, branco, com um excesso de velocidade de pelo menos o dobro do permitido na zona, era o embaixador; entrava directamente para a garagem e já só se o via a percorrer o corredor enquanto as pessoas o cumprimentavam com muitos salamaleques, ou pelo menos assim o parecia, estilo filme mudo, do outro lado da rua.
onde estacionaste? na rua que desce para o tanque. qual tanque? duas ruas atrás. Ah, aquilo é um tanque? é, nunca viste as mulheres a lavar lá roupa? bem, vamos ao que interessa. Amanhã tens que ir a Bruxelas ter com o Albert. Quem? Aquele com quem estiveste em Bucareste, o da farda de general. General? Não interessa, de militar. Sei. Tens que ir lá ter com ele e um sócio e ver como é que se envia um contentor da Serra Leoa para cá e depois para Itália. ok, está acertado com ele o preço? está, o Piçarra tratou disso. Só tens que ver como é que são as garantias necessárias. bancárias? sim, e quanto é que ele paga pelo serviço. Que é que vem no contentor? - algo que ficava sempre na dúvida de querer saber. Níquel. porque é que tem que passar cá? faz-se dinheiro com aquilo. Quem é o proprietário do contentor? Uma das empresas do general. é só para fazer o transporte? só. ok, mas digo-te já que acho uma ideia de merda fazer isto em Bruxelas, de merda mesmo.

1 comentário:

Pulha Garcia disse...

Bruxelas nunca foi a minha cidade. Demasiado cinzenta nas cores e nas pessoas. Já Cohen e Polly Jean Harvey, sim. As minhas praias. Ps E toco o Hurt na guitarra.